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terça-feira, 30 de maio de 2017

Charlie Davoli
Logo que eu aprendi as primeiras letras consegui sozinho formar as primeiras palavras, as primeiras frases, e saber-me um devorador de livros, depois, só bem depois que já sabia escrever, que me escritor.
Vocês já repararam como eu falo do tempo?
O tempo dentro das lembranças pouco sabe das horas, pouco sabe das noites e dos dias
Não se pode manipular as lembranças, seria deformar o que somos, instalar um depósito de bugigangas dentro do ser. O que seria dos nossos mitos, dos nossos heróis, de nossos espelhos?
O meu pai era um homem cronológico, estabelecia horários para tudo, para eu ler também, determinava à minha mãe o que eu deveria fazer diariamente, depois sumia e só aparecia quando eu já dormia.
A minha mãe obedecia, e eu – Bem, eu lia, lia no banheiro, no almoço, na cozinha, lia acordado, dormindo, fazendo xixi, tomando banho e lia tudo, caixinha de fósforos, propaganda de chicletes, anúncios fúnebres e anuncio de bondes.
Vejo- me sempre pendurado a um livro, ele preenchendo meus vazios, dialogando com minha solidão de menino e forjando meu caráter.
A cronologia das lembranças nem sempre está na ordem certa, acho que antes de ser um leitor eu fui um livro.


Charles Burck


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