Charlie Davoli
Logo que eu aprendi as primeiras letras consegui
sozinho formar as primeiras palavras, as primeiras frases, e saber-me um
devorador de livros, depois, só bem depois que já sabia escrever, que me escritor.
Vocês já repararam como eu falo do tempo?
O tempo dentro das lembranças pouco sabe
das horas, pouco sabe das noites e dos dias
Não se pode manipular as lembranças, seria
deformar o que somos, instalar um depósito de bugigangas dentro do ser. O que
seria dos nossos mitos, dos nossos heróis, de nossos espelhos?
O meu pai era um homem cronológico,
estabelecia horários para tudo, para eu ler também, determinava à minha mãe o
que eu deveria fazer diariamente, depois sumia e só aparecia quando eu já
dormia.
A minha mãe obedecia, e eu – Bem, eu
lia, lia no banheiro, no almoço, na cozinha, lia acordado, dormindo, fazendo
xixi, tomando banho e lia tudo, caixinha de fósforos, propaganda de chicletes, anúncios
fúnebres e anuncio de bondes.
Vejo- me sempre pendurado a
um livro, ele preenchendo meus vazios, dialogando com minha solidão de menino e
forjando meu caráter.
A cronologia das lembranças nem sempre
está na ordem certa, acho que antes de ser um leitor eu fui um livro.
Charles Burck
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