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terça-feira, 13 de fevereiro de 2018


Havia franqueza ao dizer: Precisamos nós falar.
Mas era mais um a ir embora,
Há um mundo a dividir-se geometricamente falando,
E sociologicamente falando, eu prospecto silêncios,
Ou melhor, aqueles apenas, mais cheios de argumentos.

Charles Burck






Caiu o reboco do muro, faz tempo que eu não me cuido com intenções de vaidades
O meu perfume é o mesmo, faz anos que a fabrica faliu,
Na quina da casa Miss Pearls, a minha gata, ronrona, ela sempre queima os pelos na lareira,
Mas sempre opta pelo calor
Há coisas que nos tomam a atenção sem pretensão alguma,
Eu já fiz parte da crise dos tempos, dos bordeis fechados, da escuridão dos astros,
Já fui ao fundo do poço, já fui o poço, já fui as estrelas espelhadas na sua água
Raramente me confundo com alguém, ou vejo nele um sinal de semelhança
Minha menina, psicóloga de profissão, me estuda há anos e jamais conseguiu escrever uma linha sobre essa pessoa estranha,
Mas já me pintou em um quadro, um homem adotado pelo mundo
Os pés inchados indo em direção ao horizonte a cabeça que não cabia na tela,
Um coração simples, maior que uma planície,
Hoje cai muita chuva na rua, só se lembra com saudade das águas, quem navegou muitas ondas,
Hoje tivemos só um dedo de prosa, sem frases longas e rebuscadas,
Quem tem saudades da terra, ama
Não são grandes ondas, nem enxurradas, só coisas simples, nossas, nossas conversas
De um amor grande, como pingos de chuvas, espalhado por um longo campo a perder-se de vista, mas de onde não se vê o todo


Charles Burck




Abarco o mundo dentro do teu mundo os semeado da alma, a parte que me cabe,
O consolo da carne com frutos que se abrem,
O invisível abandono advindo do sono,
A festa de som e as vestes desnecessárias,
Compreendo os teus chamados quando eu não venho, trechos de poema não formulados
As partes da vida rasgadas, onde colhemos o sal do mar vindo no ar,
A língua que adoça a minha boca, a dança das luzes e sombras,
As dores desligadas, os resumos da vida, os sumos de nós dois misturados,
As manhãs resgatadas entre risos, as cores da aurora intactas em nossa bocas,
As palavras que nascem do amor amanhecido
O viço de começar de novo

Charles Burck





No ato do amor adormecido ficam os fatos falando de nós, o guerreiro desfalecido, caído para o lado,
Partituras dos adágios ofertados aos deuses, nascidas em céus humanos,
Alguém falou do tempo que corre e nós a corremos atrás dele,
Os poemas de hoje são feitos nos movimentos dos quadris, no vai e vem nas ancas femininas,  mas urgências de nossas precariedades
Mal sabem das transcendências que estão dentro de si, das magias das quais se afastam e perdem o contato
O homem não é o tempo que passa, o que o aprisiona,
O amor é o poema mais profundo, o que nos diz que não somos, não é a casca
Não é a falácia de uma criação parca, banal e inútil
Pobre cavaleiro que dá ao tempo as rédeas de si, quando há dentro os murmúrios da luz, o essencial além das estações,
O eu e tu, na osmose dos beijos libertando-nos das formas, o campo sono do absinto das flores, os ossos que estalam, as raízes que descobrem os vales,
O primordial senso da sempre viva a pairar entre os nossos olhos no fluxo da nossa fé ao beijarmo-nos
O paradeiro dos amantes nunca haverá de saber os relógios precisos, os que contam os mortos, os que nunca olham os céus.

Charles Burck






Ao peito atravessado por várias lanças,
Dói-me escrever o poema,
Guardar o medo para as horas sozinhas
Ajoelhar os ossos que rangem palavras
Cabisbaixo ofereço loucuras à minha sanidade,
Os céus infestados de sobressaltos querem invadir a minha porta
Deixo cá as luzes acessas, o coração adensado, os sentimentos me pedem o corpo nu,
As ilusões cruas, os versos sem alinhamento algum,
Passo a passo surge o trajeto, no sensualismo que brota do sangue, das veias que incham, a verdade endócrina.
O que palmeia o membro vê-me apenas por fora,
Um apontamento desenhado a ferro, a pedra, a fogo, um interior brotando em cada folha em branco,
Deste mundo a dois, aceito a suavidade das mãos, que me cariciam com o calor dos outonos, e me retira dos secretos
Neste outono frutifico longe das sombras, dos mortos que passam ao largo,
Neste sulcado e sereno louvor dos poemas de amor,
Voar é o meu sustento e a chamo para dentro, pelo aporte das bocas, das invisíveis vozes que me tocam os pontos frágeis,
Tremo aos teus apelos, mas como fazer poemas sem os infinitos gozos?


Charles Burck


No bolso do paletó guardo mais que a carteira,
Na gaveta do meio guardo todas as nossas coisas. Os campos que lês, os laços que abro, as veias dormentes, a luz da lareira. No meio dos sonhos contados guardo os sons e o frio dos ossos. A pele que liberta a lição. O tempo


Doem-me as mãos ao escrever, a pungência da noite intercalada na carne o gorjeio dos corvos a estende a fatalidade como o garrote das fontes,
O apontar dos dedos, a arte de denunciar os semelhantes, os negros quadros de lama e de sangue,
Não dou as costas aos covardes, os que medram no escondido das noites,
Os que vagam como sombras rentes ao chão,
Chove em todos os sentidos, esqueço o momento levito na escuridão, pairo sobre os parvos de raízes entre as pedras,
Todas as minhas veias resvalam na vibração do universo, na simbiose do homem e dos astros, nessa força viva que me sustenta as asas,
Quem és tu que a mim se junta para sonhares as palavras vivas?
Que compreende o sentido do ser, que estende as frases além de nós,
O guerreiro assombrado com si, com as coisas que descobre ao fincar a espada no jardim acima da cabeça
És tu os que tivestes as pernas e os braços pesados, a cabeça a mergulhada nos sonhos, o sentido de nadas entres as flores de liz e as algas,
O que limpou o caminho por baixo do solo adormecido do pensamento, deu ênfases as línguas, aos palatos, ao som que nasce das paredes que tentavam separar os mundos
Sinto que já fui pó, madeira queimada, as chagas filhas da cegueira brumosa
Sou eu agora que falo a tua voz, o cálice das ninfas, pelos centros, pelos arredores, pelas distâncias onde apenas os bichos rastejavam,
O onírico delírio festejado em reais cores, a sufocar o escuro, não quero pensar o que sei, ainda há tantos nadas a rondar as loucuras,
Armadilhas plantadas diante de nós, por onde vaga o vento, dizendo que nada sei,
Que não sei nada



Charles Burck