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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

 

Todas as noites sonhos os teus braços

Lambo os teus beijos e como a tua carne,

Mas é a tua alma que me traga

, me engole e me consome...




 

O mundo era longe, longe também a minha infância,

O campo de mato rasteiro

Os olhos trigueiros

A menina desnuda no leito de flores de melão,

Mais longe, ainda, fica a vontade de reviver,

O cheiro que ainda chega o sabor que brinca de fazer salivas

As lembranças que permeiam os tempos de poucos fazeres

Os gestos de minha avó não dispensavam ternuras,

Os brincos de pedras pequenas brilhavam mais do que deveriam

Era a magia que dela se expandia a todas as coisas,

O passado é nosso campo cultivado para colheitas futuras, em tempos escassos,

A minha alma embora tenha asas alongadas, embora ainda deseje voos maiores,

Nos tempos que me restam, não tão alongados assim,

Já penso que os bons ventos não voltam, raramente passam por aqui.


 


 

Carnadura

 

 

Tomou-me como quem chega de um imenso abandono

A boca seca sobre a minha fonte

Descontrolada e sôfrega

Antes que a morte consumisse tudo, antes que a vida das cinzas se tornasse chamas

Tomou-me como dono, sem construir um alicerce sequer, sem um tijolo posto Do amor, a que nada servia, operário, servente de pedreiro, engenheiro de porra nenhuma

Enfiou-me os dedos na massa pronta e lambeu

Ajeitou-se nos cômodos e esqueceu-se de mim,

Nos glúteos, as sofrências, as marcas de flores arroxeadas,

Tomadas floresceres de assomos dos jardins da decadência

Se inocência já era daninha entre flores depravadas, fazia tempos que eu o desejava

Os meus arpejos suspirados, aflorados em desesperos no corpo

Rasgues então as minhas carnes, sorva todos os meus líquidos, devotada e embriagada que estou

Deixe-me somente meio litro necessário para que eu não me vá da vida, toda...

Entupa a minha boca, as minhas coxas, por outros fatos...

De dormência, de solfejo, de carnadura

Alimente-me de beijos, roubados do aberto ventre e exposto

Das espremeduras dos seios, desconte-me em mim o tempo que eu não fui tua

Mas nem precisava a demência, a sofreguidão dos marinheiros de mares revoltos

Nem precisava que me pedisses porto, algum consolo,

Ou qualquer rogativa minha posta de saudades

Ou que me impusesses as tuas invasivas lembranças

Ou me impetrasses tu, me penetrando o mastro da nau dos desesperados

ou que eu implorasse a ti qualquer amparo tolo

Ou ainda que tu, nada sentisses por mim, pois que a isso nada importasse

Para quê?

Se eu, na tua ausência, já era tua

 

Charles Burck


Alberto Pancorto