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domingo, 29 de julho de 2018


E aqui estou, forte e fraco numa anômala mistura desigual de complexa tradução
Difícil compreender-me sem as contradições, enfiando o dedo na goela para ver se sai alguma coisa que presta
Felicidade plena é um desassossego para os outros neste universo das preocupações interiores
Nem sempre digo coisas previsível, as palavras são fugazes, sutis e simbólicas
Só se adoça a loucura com sal
E mesmo testemunho a minha imaturidade risonha, as minhas durezas poéticas que se esvaem carregadas nas águas dos banhos,
No efeito solar me vergo numa estética imprópria aos versos, uma psicologia antifreudiana de refletir as derrotas pessoais ficando reservado, olhando as minhas preocupações sem dar medidas demais ao que não passam de velhas passagens,
Espero pelo amanhã, sempre por um dia inteiro, ao ontem, no máximo me despeço sem delongas
Um breve dialogo entre a alma e o corpo é uma opinião que me interessa
Se me adiantasse chorar, eu choraria um oceano de lágrimas inteiro
Quando a maré subisse eu molharia primeiro a cabeça na água, 
O êxtase é uma medida de proporções e eu me fartaria de mim nos mergulhos mais profundos,
Gosto das areias mornas por onde meus pés caminham descalços
Se me quiseres de companhia me dê a mão, caminhemos essas praias desertas
Cantado conchas e fazendo piadas do nosso encontro, rirei primeiro de mim,
Mas eu te conto, sempre ponho a mesa para dois, mesmo quando estou só,
Olhando-me nos olhos saberás que mantemos intactas as nossas individualidades,
Tranquiliza-me que as felicidades da vida são pequenas entregas e longas caminhadas
Algumas piadas sem graças, jantares à luz de vela e amores sem pressas
Sem precisarmos explicar nada, nada cobraremos da vida, nem de si mesmo,
É um alívio fazer da vida uma canção extraordinária, mesmo que a letra não diga nada saberemos que a melodia é o que importa

Charles Burck




Açucares Artificiais



Havia uma saída no meio da cena,
Um desvio ao delírio cego dos personagens
Uma válvula de escape, uma opção à venda da visão
A fecundar os lírios dos olhos em tempos de escassez e secas
Mas o amor fez discurso na praça pública
Falou das cegueiras que trazem a tantos danos
Os tempos de desvarios da violência e da ignorância,
Quando seria preciso dirigir os enganos, cuidas das feridas e sanar os danos
Os políticos não gostaram, trataram o amor como coisa de segunda linha,
Cavalo sem estirpe, cão manco sem pedigree
Historiadores negaram sua história, os eruditos disseram-no, mitologia
A louca medusa de mil cabeças, centauro do insensatez,
Quiseram acabar com o amor por decreto, e criaram uma polícia especial para investiga-lo
Ao amor acuado só restou uma saída, viver degradado,
A fábula se esgotou e é altura de serem homens,
Na desgraça miserável de serem maiores do que eles,
Na pequena glória portátil de não serem menores do que eles.
Mas não, não vou dizer-lhes, estava eu bem arranjado.
Corriam-me à pedrada ou pregavam-me no madeiro,
Que é o que te estão já preparando,
Com pregos e martelo nos bolsos,
Quando for a altura de esgotares, como os políticos, a esperança
Que tinhas prometido,
E aguardarem até ao ano que a trouxesses outra vez.
Porque, enfim, sem esperança,
Como diabo se há de viver?
Estou só e muito enrascado
De que me vale o tudo quando o tudo é nada,
Melhor pedir aos céus uma colherada de adoçante
O artificial sugar de uma flor qualquer, um aspartame de lua
Do que sorver as tempestades amargas da ausência tua

Charles Burck




O causo de causar estranhezas


Eu ordenhei a vaca doente, nem o leite servia, fervia, tinha febre no úbere, precisava de cuidados, era carinho.
A lua branca tem um ninho de cegonha, de onde voam meninos
E eu sem cama e sem luz nesse ninho de serpentes,
Olhos de manhãs salpicados de venenos vespertinos 
Eu vi dois olhos estranhos a vasculharem a estrada, não havia a sensação de nada, mas fiquei intrigado.
Não conto estrelas, não tenho dedos para tanto, mas a vaca mugiu de novo, já abanando o rabo em perdidas direções, já deixando o corpo, flutua.
Vestes longínquas deixam os corpos no gelado, precisei tantos dos teus carinhos nas noites mais frias em que eu dobrava as dobras do mundo, mas o manto de saudade é curto demais para cobrir esperas longas
Recuso-me a expulsar as frequências, a estrada se acomprida se paramos e a alma segue adiante,
A moça também está doente e quer festa, às margem dos meus passos parei e ela sorriu e eu sorri para ela.
Para o peito dorido há tantas dores dispersas de ferir a alma, mas não posso ficar alheio à corrente do mundo, daqui faço parte, sou um pedaço disso tudo...
Era passível de depressão, mas ela sabia o que a engolia, uma grande boca de escuridão a devorar pirilampos,
Ela era miúda feito um grão, semente de girassol presa na cama, quando num dia era a fome e noutro a comida
Parecia um anjo fincado no chão a murchar asas e perder voos e eu queria dizer palavras, mas era ela que me consolava
Eu achava os meus dias ruins, mas ela exalava calmaria nos dias mais tempestuosos, perto dela não havia ventos de soprar velas, nem trevas de se impor à luz.
Falo do que eu acho, nada pode me causar estranhezas ou tudo pode, mas ela sempre sabia mais, parecia que a proximidade da morte abria as janelas da sabedoria, mas eu não queria espiar para dentro, mas ela me falou que precisávamos abrir espaços para novas plantas
Meus olhos regaram chão, mas o brilho dos olhos dela era magia daquilo que está além de nós.
Não havia medos, receios, aos campos ondulados na brisa liberam os sorrisos das flores para ganhar o ar, fertilizar os céus, são mimos que não percebemos, algum deus nascendo de nós
Não faça planos de longos tempos, como quem deseja pautar a vida na sua agenda, a vida se encerra a cada dia, mas no seu sortilégio ela nos faz pensar que acordamos a cada manhã.
Eu no meu egoísmo desejei que ela ficasse, mas ela me disse: A partida pode ser a melhor parte, simplesmente desfarei as insônias e ganharei sonhos eternos. Há jeito mais romântico de ver a lua de perto?
Acho que ela tinha razão em tudo, mas o tudo esconde de nós os detalhes, todas as tardes me posto à janela e vejo perfeitamente os olhos dela a me fazerem companhia. Tudo é eterno ao que nos damos, ao que amamos.
A vaca mugiu comendo flores em algum jardim estranho, as cegonhas voaram para fazerem as entregas, esfrego os olhos molhados de insônias, não podemos morrer todos os dias, mas podemos fazer nossa parte.
A felicidade, às vezes, tem olhos estranhos e coisas estranhas, às vezes nos parecem tão belas.







sexta-feira, 27 de julho de 2018


Quando tu passas
E acredito que tudo é novo,
Vem um deleite secreto de um amor ameno
Vem deitar comigo e acalma a minha afobação
Porque em mim tudo geme
Tudo treme, tudo goza, tudo é pressa

Charles Burck




Uma brisa fria vem roçar-me o rosto,
Como pássaros abandonados numa primavera fria
Como o amor que pia num ninho vazio,
Como um ator que rodopia sozinho uma valsa sentida,
Como se vento que chega fosse uma conclusão do nada

Calo-em para aprender com a vida,
Faz tempos que não vens fazer verões,
As tuas palavras ditas foram as mais bonitas desde então
Da ultima vez que te falei que estavas tão linda,
Que de há muito eu não a via tão alegre e risonha assim
Mas tu sorriste para fazer a doçura do sorriso, me esquecer

Tapas meus olhos e calas a minha boca, travo amargo do desgosto
Fostes embora levando um pedaço de mim,
Melhor seria eu cuidado, se viesses então,
E pusesses de volta ao meu peito o pedaço arrancado do coração

Charles Burck

Azul gaivota que mancha o céu com um grito
Famintas fomes vindas de longe
a se perder sobre o mar,

Eu sou o longe, desolado azul, sem asas nos ombros
Sal de enganar a fome,
Sangue sem cor e sem corantes,

O mar é longe,
O mar é longe

Fome maior grita o homem, cujo amor
É maior que o mar

Charles Burck




As águas em perfeita calma,
Calma, como nunca me trouxe o tempo ao peito
A algazarra dos bandos de pássaros é o que se manifesta em minha alma
Calma pede o padre, há suficientes preocupações neste mistério, Deus sabe, diz-me ele, com olhos de quem está com pressa de ir embora
Eu alimento discórdia entre os presentes e depois, parto,
Há barulhos suficientes para matar os meus tímpanos,
Calma pede a professora, quem de vocês é o dono do tempo?
E a criança escreve no quadro negro mil vezes,
Calma professora, o tempo não corre mais do que nós,
Aquiete esse vento bêbado nos teus cabelos, essas sombras sonoras
A dançar nos redemoinhos de folhas secas cansadas
Acalmem as ondas que veem de dentro, veementes assomos dos movimentos dos oceanos
Não me afogue então antes da hora, tenham calma águas salgadas,
Se não os peixes morrem antes de morderem as iscas,
Calma minha alma, sente-se ao meu lado agora,
Nós mantenhamos em silêncio a iludir o tempo
Se ele nos devora antes da hora...

Charles Burck

Slava Fokkwen

sábado, 21 de julho de 2018


O causo do colar de contas



Preparei um colar de contas cristalinas, sagradas pedras que valorizam o seio do rio,
Eu vi visagem beberando água no regato mais manso, o coração sente sede, mas nem tudo é água da boa,
Despi fantasmas para ver a alma por dentro, mas o tempo racha o corpo ao meio e o receio dos tropeços torna a estrada melhor,
Canto baixinho quando céu avermelha, não quero atrair agouros,
Mas já fiz coro com anjos e com irerês de causarem arrepios
De fio a pavio prefiro as coisas boas, mas umas molecagem têm o seu tempo de gosto,
Não sou proposto de mulher feia, de mulher barbuda ou com bigodes no meio,
Depiladas todinhas parecem bocas raspadas, travo de perereca rosada, chamei a cabocla de pele marrom, já que nos veios dela tudo parece bom,
Oh! Coisa delicada colar boca na boca, mas mulher amarrada num beijo bom te suga todo, cola feito cola de mandioca brava e goma de seringueira.
Fujo de quem se apega e fica cega, Doninha matou Dodô, arrancou o coração e plantou no terreiro. Deu um pé de vespeiro desejando vingança, as pragas morderam tanto as xapeca de Doninha que travou a bichibinha,
As urinas não sabemos por onde saem agora, mas nada entra. Quem me contou carece de confiança, foi meu Avô Lourenço, homem que não mentia nunca, a não ser se bebia, mas o Vô bebia tanto que eu mal sei se acredito no contado, mas minha avô fez novena para dar freios na mardita cana, mas ele tinha outros tropeços e os santos desistiram de fazer do velho um homem santo.
Assim fico eu calado, só falo do que tenho provas, minha ex queria ficar viúva, mas ela morreu primeiro, falava mal de todos, mas a boca não só destilava venenos, tinha lá sua prosas boas, ardências dá em todos, pimenta malagueta arde, mas só para quem a põe ela na boca.


 Charles Burck 
Do livro Causos por acausos - Ed. Clube de Autores





sábado, 14 de julho de 2018


Eu aqui e tu ai
À distância
Há distância

Sem poderemos lançar alongados braços,

Há distância

A linha telefonia não abraça,
Nem neutraliza os fatos,

À distância - os beijos não dados aumentam o espaço,
Por tremores repetidos, os lábios indefinidamente dizendo,

Cesse a distância, cesse a distância.


Charles Burck

imagem : Ana Juan




A arrebentação, a respiração e o vento, os ritmos para um corpo precisando de mar,
O amor nasce muitas vezes dos dias sem futuro,
Do quanto desejávamos um diagnóstico para um corpo
O caminho para o estertor, a vibração certa do coração
O gosto da laranja, o cítrico o doce, como se pertencêssemos ao sabor.
Acolher o que antes ao peito não cabia, tanto que doía.
Ao que imaginávamos dor maior,
Se não pudéssemos resistir o mar forte ainda bate aqui e agora sem os limites do medo
Como se fossemos outra pessoa e não mais sagrasse a ferida aberta
A abrupta boca aberta que nos engolia de tudo,
O mesmo sal ainda me molha os lábios e nessa brincadeira de sabedorias, ganhamos nós
Eu sei do amor que te tenho, sem ter dito tudo, sabendo que nunca vou ler tudo também
E desvendar cada palavra soprada,
Amo-te do fundo das cadências dos meus duelos irregular de pensar,
Das sobreposições da vida sobre a morte,
Dos arpejos sutis, quase inaudíveis de Deus assoviando uma música falando do mar.
A porta entreaberta à espera do que desfaça as cicatrizes,
A querida ideia do alongamento do tempo desmanchando os espinhos aderidos à carne
Como se cada onda atravessada refizesse cada apagado capítulo de esperança
A harmonia ganhando espaços no corpo indolente, não vale a pena a lutar quando o que os afronta nos dá prazer

 Charles Burck




Num sonho, depois de abandonado, vi-me gotejando de um telhado,
Eu, cada pingo, quedado lento e o solo à minha espera,
É improvável que eu estivesse acordado, mas sonhava eu sei,
A saliva por vezes mata, o silvo da cobra, o solo de guitarra forjando os sons dos lamentos, também
A faca e as pressas mais perto da garganta, o sobressalto de quem vive,
As certezas são as mais otimistas e se bem alimentadas nos aumenta as pupilas,
Pessimismo rasteja, armadilha escura e sem promessas, a oração subjetivada no átrio vazio, na igreja inventada,
No fundo do peito corroendo as palavras que dariam versos,
O corvo no coro, canta intenções e anuncia os tempos passados, vende ilusões a preço baixo no centro das lojas populares
Mas a sede impulsiona para frente a sede, o brilho da água, a vontade indômita
Acordei com sede, era improvável que eu estivesse adormecido, disso eu sei
Ainda estou molhado


Charles Burck