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domingo, 26 de fevereiro de 2017

Armagedom


No topo da metrópole, o corvo negro comeu a pomba branca,
Os sacanas mendigando assistências aplaudiram frenético,
Tem uma pena manchada de sangue no chão do mercado,
Os carrinhos de compras passam carregados de hamburguês e armas,
O Armagedom  foi anunciado na seção da tarde, mas é tarde demais para deter o principio do nada,
A herança do que fomos sendo pisada na calçada das estrelas
A Hollywood fará uma cena tão banal,
Afinal o fim do filme veio no começo,
Mas a história real não tem final, apesar do que tudo sempre acaba mal.
Tem dias fico diante de uma tela branca, cortando desenhos animados,
O Woody Allen é o magro do Stan Laurel , a Mia Farrow rasgou o papel,
Eu torço pelo Tonto que caiu do cavalo, mas o índio sempre se dá mal
À espera de um dia ameno tem guerra na zona e festa no bordel,
Da janela do ônibus vi passar um avião das drogas,
As coisas mesquinhas e almas pequenas, políticos de chapa branca e colarinhos engomados, dão festas e migalhas aos porcos e ao gado o que sobra
O traficante distribui benesses sociais e a prateia aplaude
O riso mesquinho, as aves raras não assomar os céus,
Tomei purgante, mas as minhas tripas deram um nó cego
Fiz papel de trouxa, vesti-me de palhaço e ri-me de mim,
São raras as comédias boas, rio liberando o vômito,
Desculpem os fragmentos, os momentos de esperança engessados sufocam no claustro
O caustico não é nos estômago é na alma, por onde sangra e escoa o lixo que somos

 Charles Burck 



Imagem Roberto Ferri




Folhação


E com o silêncio vieram as vozes intermitentes das memórias
Refazendo a minha impessoalidade com nome definido impregnando-me a pele,
Somos sim um pouco de cada outro,
Dos que se foram, dos que ficaram, do que estão, dos que não voltam.
As cores das vozes a nos dizerem de cada ser,
Descerram as faces, os olhares, o verbo das graves entonações,
Das suaves canduras das manhãs aos sortilégios das tarde,
Somos todos amanheceres, cálidas chuvas, às vezes tempestades, às vezes anoiteceres
O barro, a massa do trigo, justapostas, entremeadas à boca ávida da vida
A mesa posta, o menino vivo, outros tantos sepultados,
O livro dos escritos dos mortos com folhas ao vento,
O pai agradece ao filho o prosseguimento da vida,
O voo livre das asas florescendo nos céus,
A arvore podada para frutificar mais vezes,
A seiva a elaborar sua copa e suas raízes que penetra os céus e a terra
A fórmula da idade decomposta em insondáveis matemáticas,
Aos que quedaram ao esquecimentos, deito o ouvido na praia e ouço seus cânticos,
Não há como sepultar suas histórias vivas em mim,
Eu de silêncio visto-me de branco a me perder pelas tardes, o sorriso dos vivos dando vida aos seus lábios,
O encontro do que não digo com o versejar da palavra escapada,
A força que acelera o grito, os traços, a fisionomia da face,
A textura da pele, o gesto repetido na forma de caminhar,
Somos tantos filhos nesse mundo perdido e no entanto, tão pouco sabemos de nós.



Charles Burck
Ninhos Surreais



O bem te vi me chamou cedo, antes do galo cantar,
Escrevo-te com a alma vergada de preocupações,
Para mim é sempre o mesmo um ritual, recolher as pitangas amarelas,
Nos galhos carregados, afastar os velhos fantasmas do caminho
Eu não gosto quando os pássaros chegam tão cedo antes do amanhecer benzer meu solo,
Hoje eu tenho um sábado pintado de laranja e olhos coloridos artificialmente,
De conto a conto retiro um ponto e desacelero o coração,
Logo sei que voltas, como quem volta com o desejo mais forte de amar,
Têm sido assim as minhas esperas, as esperanças balançadas ao vento
Como roupa estendidas no varal, a calça tentando chamar a atenção do vestido,
Deve ser por isso que quase sempre você vive nua,
E eu descalço percebo mais facilmente a alegria no chão, ela sempre nos festejou se espalhando por tudo,
Ontem eu fiz um quadro a óleo para retratar os fatos que ocorrem no meu quintal,
Mas nada de realismo,  no  mundo surreal podemos ser o que desejarmos e os desejos podem ser um pedaço de nós de cabeça para baixo, indo ou voltando
Os olhos nas costas e o sorriso na testa,
Agora a bem te vi teve filhotes, eles parecem sustos estrelados com pequenos bicos abertos de fome,
O aniz floriu na poça sobre a lua cheia, parece que li o teu nome escrito na luz,
Choveu a noite toda de ontem e as estrelas estão lavadas,
Confesso que quando tudo isso acontece sereno a minha alma,
A ânsia da espera a para podermos dividir cada fato,
O seu sorriso surreal se insinua já chegando, estou a preparar os lábios,
Os beijos passarinhos sempre fazem ninhos na minha boca
E os teus beijos ficam enfeitando a minha vida

 Charles Burck